quinta-feira, 21 de junho de 2012

Agostinho neto e Amílcar Cabral o para a cultura lusófona

Ilha (Amílcar Cabral)
Tu vives - mãe adormecida -
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…
Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
- os sonhos dos teus filhos -
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
- terra dura -
rochas escarpadas tapando os
horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as
nossas ânsias!


Noite (Agostinho Neto)

Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.






São mais conhecidos pela sua vertente política e revolucionária; Neto foi co-fundador do MPLA e o primeiro presidente oficial de Angola enquanto Cabral foi o fundador do PAIGC, e por esse motivo considerado o pai da independência cabo-verdiana (apesar das últimas polémicas) e guineense.


Mas o seu contributo para a cultura e investigação lusófona é tão ou mais importante que a vertente política.De facto, Agostinho Neto, médico de formação, foi (é) considerado como um dos maiores poetas de língua portuguesa. A sua contribuição para a poesia lusófona e de acordo com a sua biografia oficial, começou no Meridiano (1948-1949), um boletim da Secção de Coimbra da casa dos Estudantes do Império, de que foi um dos membro mais activos, tendo sido compilados e publicados, mais tarde, em quatro obras: Quatro Poemas de Agostinho Neto, 1957; Poemas, 1961; Sagrada Esperança, 1974; e Renúncia Impossível, 1987. Está, ainda, incluído em várias antologias angolanas e internacionais.

Todavia, é na obra Sagrada Esperança que estão, talvez, os seus mais belos e carismáticos poemas. "Noite" que abaixo se transcreve foi retirado desta obra.

Por sua vez, Amílcar Cabral, agrónomo e co-fundador do PAICG, nasceu em Bafatá, Guiné-Bissau, em 12 Setembro de 1924. Deve o seu nome à admiração que seu pai tinha pelo cartaginês Hamílcar Barca (note-se que a sua certidão de nascimento surge precisamente a palavra Hamilcar que, mais tarde, resultou em Amílcar).

É mais conhecido como o pai da independência cabo-verdiana e guineense, conseguidas após alguns mártires anos de luta pela independência, que não viu devido ao seu assassinato, em 1973, em Conacri, em circunstâncias que os seus companheiros de luta, ainda hoje, parecem ter alguma timidez em clarificar (todavia, Senghor, então presidente do Senegal, em conversa com o coronel Carlos Fabião e ao embaixador Nunes Barata, chegou a denunciar o seu autor moral, porque o material sabe-se ter sido um ex-companheiro de armas a perpetrá-lo, Inocêncio Kani; cabe aos guineenses e cabo-verdianos obrigar que a história seja completada para que a sua honra nunca venha a ser manchada).

Mas é a sua vertente cultural, a sua obra poética, contista e científica, que aqui é analisada. Escreveu sob o anagrama "Larbac" alguns poemas de amor de que se destacam a Ilha (abaixo transcrito), Devaneios, Arte de Minerva, Quando Cupido acerta no alvo, entre outros.

Como "sociólogo" destacou-se pelo apelo à "reafricanização dos espíritos", aquela que seria a sua bandeira política.







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